4 de dezembro de 2007

Dóis-me

Tantas palavras e tantas. Procurava-te...
Partiste-me o coração ontem. Porque fechaste a porta sem pré-aviso. Sem comunicação escrita ou carta registada. Não que te pense sempre. Existias em mim volta e meia.
Partiste-me o coração. Foi ontem. Aqui posso dizer-to porque não me lerás. Porque aqui eu sou quem quero e tu nem sabes quem és.
Posso rasgar cartas, queimar fotografias, enlixeirar objectos-tu. Posso riscar o teu nome. Esquecer o telefone e a morada. Mas continuas a existir em mim. E todas as palavras e letras e frases e. Tudo o que escrevo e imprimo no meu corpo que não lembras são pedaços de ti em mim.
Onde começo agora? Onde hei-de colocar os príncipes e as princesas? Onde plantarei os jardins?
Onde colherei as rosas já plantadas? Perdi esse mundo que era nosso. Perdi-o em ti e por ti.
Dói-me tudo. Dói-me tanto. Dói-me tanto tudo. O coração e o corpo. Até o corpo. Porque me dói a boca das palavras que não disse. Doem-me os ouvidos pelo que não escutei. O que me dói é o que existe de ti em mim. Que é imenso.
Já não te sei. Ainda és? Talvez. Por mim podes ser até amanhã. Porque vou inventar outro mundo. Sem rosas nem jardins. Odeio rosas. Abomino-as. Amanhã invento um mundo só meu. Mas não to digo. Nem sequer digo que me dóis. E que me dói que me doas.
As ilusões iludem os iludíveis. Iludi-me. Enquanto me iludi sonhei. Pude sonhar. E sonhei tudo. Senti tudo. E posso até vir a perder. A confiança, a esperança, um pouco de amor-próprio. Posso até vir a perder isto. Ou mais. Mas o que ganhei contigo é o que sou. Se não fosses em mim eu não era eu.
Mas... Hoje ainda me dóis.

14 de outubro de 2007

Mais tempo

Tive de voltar. Vês como sou? Obcecada e impulsiva... Guardo estes defeitos para mim. Que para ti só qualidades. Mas... Vês? Tive de vir. De te falar. Explicar que as lágrimas afinal uma invenção.

Não insistas em ver para lá das casas. Não penses que... Não analises. Não me analises. Sou só eu. Assim. Nua à tua frente. Despida de máscaras e maquilhagens. Mas não apontes o sinal que. A borbulha que. O cabelo que. Por estar assim, tão exposta, peço-te que... Esquece. Ou, não lembres. Esquece a cor dos olhos e tudo o que sabes. Porque me vou inventar agora. Aqui. Porque só aqui existo. Só aqui sou esta que lês. Só aqui as minhas palavras assim. Aqui e...

Escrevi tanto. Porque senti tanto. Tanto sempre. Páginas e páginas de cadernos. E outros cadernos e folhas e guardanapos de papel. Sempre o pretexto de. Estar perto. Páginas escritas em cafés. No trabalho e em casa. Em todas algumas pausas. Ou, não pausas. A vida em pausa, afinal. E eu a escrevê-la. E enquanto escrevia, enquanto agrupava as palavras... Não sei se escrevia a vida. Ou se a fui escrevendo. Não sei se o antes ou... Em cafés. No trabalho e em casa. Em jardins onde só ia para escrever. Para a escrever. E assim inventava o cenário. Pintava árvores e bancos e pessoas e... Sonhava todos os sonhos. Vivia todas as angústias. Tudo muito bem estruturado na folha onde. Ou então, tudo desorganizado na folha onde. Vês? Crio assim e invento assim e altero, risco, escrevo por cima, sublinho ou não. Que importa...

Sabes onde estás? Ouve o segredo das ondas que. Da onda que.

Não fui eu. Nunca quis... Os anos e anos ou meses e meses em que increvi palavras em cadernos, folhas, mais cadernos, mais folhas, todos esses anos e meses fui adoptando novas formas de te dizer. De te escrever. E se estou aqui assim, nua à tua frente, então não podes dizer que. Não me culpes. Não atires assim as palavras como setas. Que não quis magoar-te. Não quis atingir-te. Não atinjo nada afinal. Não penses que. Não penses.

Toda eu coração.

Tempo

Dêem-me tempo. Preciso de tempo.
Aqui posso ser quem quiser. Posso sonhar todos os sonhos, viver todas as vidas. Posso construir-me. Criar-me. Inventar outro eu. Outros eus. Aqui não sou ninguém. Sou quem quiser. Outro nome, outra idade, outro sexo... Mas mais vulnerável. Assim, tão exposta... Que me digas que falo para o vazio que não acredito. Que me digas que não lêem. Que não vêem. Ou que lêem mas não sabem. E sabem.
Dêem-me tempo. Preciso de tempo. Porque os olhos assim. E as lágrimas assim. E não quero que lágrimas. Não quero que choro. Não olhes agora. Vês que está tudo bem? Porque perguntas se estou bem? Não lágrimas. Não choro.
Entende: posso ser quem quiser. E se me fiz assim agora, se me inventei de negro, foi porque...
Não fales. Escuta. Tudo o que te quis dizer, que é tanto. Tudo o que sinto, que é tanto. Tudo o que... Dá-me tempo. Preciso de tempo. Afasta-te. Ou, não te afastes.
Dêem-me tempo. Preciso de me organizar. De engavetar as ideias e pendurar o passado. Pôr as lembranças em caixas. Etiquetar. Arrumar.
Preciso de tempo. Vai. Não vás. Fica. Ali. No sofá. Lê uma história. Em voz alta. Lê uma história em voz alta para mim. Só um pouco: enquanto me arrumo. É rápido. Vês? Que depressa que dobro tudo. Ou, não dobro. Amarfanho ideias e pensamentos e... Para quê gavetas? Para quê caixas? Debaixo da cama. Enxovalhados. Tantas horas. Tantos dias. Tantos meses. Tenho tempo. Tenho tanto tempo. Tempo demais. Fica. Por favor. Fica.