14 de outubro de 2007

Tempo

Dêem-me tempo. Preciso de tempo.
Aqui posso ser quem quiser. Posso sonhar todos os sonhos, viver todas as vidas. Posso construir-me. Criar-me. Inventar outro eu. Outros eus. Aqui não sou ninguém. Sou quem quiser. Outro nome, outra idade, outro sexo... Mas mais vulnerável. Assim, tão exposta... Que me digas que falo para o vazio que não acredito. Que me digas que não lêem. Que não vêem. Ou que lêem mas não sabem. E sabem.
Dêem-me tempo. Preciso de tempo. Porque os olhos assim. E as lágrimas assim. E não quero que lágrimas. Não quero que choro. Não olhes agora. Vês que está tudo bem? Porque perguntas se estou bem? Não lágrimas. Não choro.
Entende: posso ser quem quiser. E se me fiz assim agora, se me inventei de negro, foi porque...
Não fales. Escuta. Tudo o que te quis dizer, que é tanto. Tudo o que sinto, que é tanto. Tudo o que... Dá-me tempo. Preciso de tempo. Afasta-te. Ou, não te afastes.
Dêem-me tempo. Preciso de me organizar. De engavetar as ideias e pendurar o passado. Pôr as lembranças em caixas. Etiquetar. Arrumar.
Preciso de tempo. Vai. Não vás. Fica. Ali. No sofá. Lê uma história. Em voz alta. Lê uma história em voz alta para mim. Só um pouco: enquanto me arrumo. É rápido. Vês? Que depressa que dobro tudo. Ou, não dobro. Amarfanho ideias e pensamentos e... Para quê gavetas? Para quê caixas? Debaixo da cama. Enxovalhados. Tantas horas. Tantos dias. Tantos meses. Tenho tempo. Tenho tanto tempo. Tempo demais. Fica. Por favor. Fica.

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